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A diferença entre repetir e conhecer

Flavia Criss

Mais cedo ou mais tarde, até mesmo a pessoa mais materialista vai acabar perguntando “Qual é o sentido da minha vida? Por que eu estou aqui passando por todas essas mudanças?” O próprio apelo do coração para saber a resposta é uma afirmação de que há respostas, por mais veladas que possam parecer num determinado momento. Temos a tendência de acreditar — ou pelo menos de esperar — que há por aí algumas autoridades capazes de responder ao mistério da nossa vida mutável. O conselho dado pelo oráculo de Delfos foi: “Conhece-te a ti mesmo” — e não “procura um especialista”.

Uma história sufi nos adverte a respeito de especialistas. Parece que um homem dado por morto de repente começou a bater no caixão. As pessoas levantaram a tampa do ataúde e o homem perguntou: “O que vocês estão fazendo? Eu não estou morto.” Depois de um momento de silêncio, uma pessoa do grupo disse: “Os médicos e sacerdotes declararam que você está morto. Portanto, está morto.” E imediatamente o enterraram!

Certa vez eu li que a diferença entre o misticismo e a religião é que religião é acreditar na experiência que os outros têm de Deus, enquanto misticismo é acreditar na sua própria experiência. É inspirador, encorajador e reconfortante estudar a jornada de outra pessoa que busca a iluminação. Todos nós teríamos muito mais momentos de tropeço diante da solidez escura do materialismo não fossem as lições das pessoas iluminadas que vieram antes de nós. Sua irradiação, clareando as curvas e as voltas do caminho para a autocompreensão, é uma dádiva, porque, quando nos concentramos na sabedoria de uma pessoa iluminada, o potencial que há dentro de nós mesmos é estimulado. Porém, é muito mais fácil obter histórias a respeito de pessoas iluminadas do que seguir seus exemplos. Em Song of the Bird [O Canto do Pássaro], Anthony de Mello conta a história de um explorador que partiu para o Amazonas. Enquanto apreciava a riqueza da região, pensava consigo mesmo: quando voltar, como é que vou poder contar às pessoas a sensação de remar numa canoa sobre as cachoeiras? Como poderei descrever as cores exuberantes das flores, os sons exóticos, as ricas fragrâncias? Então ele resolveu desenhar-lhes um mapa. Quando voltou para casa, as pessoas ficaram encantadas com as histórias que lhes contou. O mapa ficou exposto na prefeitura. Algumas pessoas guardaram na memória cada curva do rio. Outras se tornaram especialistas em mapas. Mas nenhuma delas viajou para o Amazonas.

O mestre jainista Gurudev Chitrabhanu conta como foi o seu primeiro encontro com o homem que acabaria se tornando o seu guru. Chitrabhanu estivera viajando por toda a Índia, aprendendo a fazer conferências com muitos sábios e pensava que já sabia muito. Mas a primeira coisa que seu guru lhe disse foi: “Você não sabe nada. É apenas um bom papagaio.” Ele reconheceu que foi esse o verdadeiro início do seu aprendizado.

A maioria de nós repete a verdade muito tempo antes de possuí-la. Falamos da inteireza até mesmo enquanto lutamos pelo território do ego. Falamos do amor a Deus ao mesmo tempo em que nos afastamos da graça. O fato de reconhecer uma verdade não significa que o eu, velho e programado, abdique voluntariamente da coroa do ego. Mas com o tempo e comprometendo-se com a nossa busca, ele o faz. Quando o mistério do eu começa a revelar seus segredos, não faz nenhuma diferença saber quão universal é uma revelação, porque ela encerra toda a alegria temerosa que sentimos com o nascimento de uma criança. Dizem que a esperança da nossa espécie renasce toda vez que nasce uma criança. O mesmo é válido para cada nascimento espiritual.

“Procura e encontrarás” é a chave-mestra. Não é apenas a promessa para os crentes de um sistema, nem uma idéia romântica. Esta é uma lei de energia rigorosa que funciona. A dinâmica dessa lei de energia é a atração. O desejo de compreender dá início à locomoção de forças poderosas e as respostas começam a chegar aos poucos, lentamente. O livro certo, a repentina inteligência intuitiva, a pessoa com um pedaço do quebra-cabeça — tudo isso parece surgir como por mágica. O que costumávamos considerar coincidência é, na verdade, dirigido por uma inteligência invisível. Eu sempre gostei deste provérbio: “A coincidência é o modo que Deus encontrou para permanecer anônimo.” Isso é supernatural? Não. Naturalmente super? Oh, sim. O fato é que simplesmente estamos lidando com isso inconscientemente, sem conhecer a poderosa e inexorável lei da atração. Nós já estivemos criando a nossa própria realidade o tempo todo. Agora podemos fazer isso intencionalmente.

      Da cópia à co-criação “Você cria a sua própria realidade” pode parecer uma espécie de alucinógeno da Nova Era, que não tem nada que ver com o mundo real do dinheiro, do poder, da política, das pessoas sem teto, da AIDS ou com sua vida pessoal. Não compreendida, tal afirmação parece, na melhor das hipóteses, um clichê vazio e, na pior das hipóteses é sempre causadora de culpa, insultuosa e totalmente irrelevante.

“O que é que eu tenho que ver com o mundo em guerra, com uma anomalia congênita, com uma economia que está fora de controle?” E, de modo mais pessoal, “O que eu tenho que ver com o meu começo de vida — minha família, sexo, raça, meu país ou status econômico?” Estas não são indagações simples. Confie nas aparências para avaliar as invariáveis existentes e é provável que pareçam totalmente caóticas, um “lance de dados”. O problema é que as invariáveis estão mudando constantemente, assim como as verdades absolutas de ontem cedem lugar às verdades absolutas de hoje e às de amanhã. Não causa grande surpresa que pessoas inteligentes às vezes optem pelo ceticismo. É uma energia de transição benéfica. Ela questiona e investiga o que é falso, mas permanece aberta à aprendizagem.

Sri Aurobindo, que foi ao mesmo tempo místico e intelectual, disse certa vez: “Em primeiro lugar eu acreditei que nada era impossível, e ao mesmo tempo me pus a questionar tudo.” Porém o cinismo, ao contrário do ceticismo, é um beco sem saída na procura da compreensão. Certa vez foi-me dito em Espírito: “Um cínico é alguém que tentou transferir Deus para a sua própria imagem e fracassou.” O cínico tende a dizer que não há causa, nem inteligência-guia, transcendente ou de outra espécie. Os que estudam alguns dos nossos mitos relatam que uma divindade antropomórfica tomou todas as decisões por nós, atribuindo-nos o papel que estamos desempenhando. Se você nasceu uma vietnamita cega que morreu numa ofensiva de ácido naftênico, aos quatro anos de idade, bem, isso é apenas o desígnio traçado pela divindade. Não está ao nosso alcance saber o porquê. É simplesmente o mistério. No decorrer dos séculos, porém, antigos ensinamentos do mundo todo nos disseram que a realidade não é algo que é feito para nós; nós é que a criamos. Talvez a palavra nós deva ser sublinhada, porque muitas das realidades que vivenciamos são aquelas que fizemos juntos.

Quando observamos os enormes desafios de nossas vidas e dos tempos, vemos que vale a pena empreendermos uma investigação séria sobre a possibilidade de sermos de fato criadores. Numa primeira consideração, daí poderiam resultar alguns confrontos sensatos com nossos egos, mas imaginem só as implicações que há em criar o futuro. É perigosa a simplificação excessiva quando discutimos como criamos nossas próprias realidades. Mas sejam pacientes enquanto eu procuro explanar isso por alguns momentos e em seguida analisaremos certos princípios concernentes.

Em primeiro lugar, não foi com esta vida que nós começamos. O você que se encontra além da personalidade, o você verdadeiro, sempre existiu. Nunca houve época em que você não era; nunca haverá época em que não existirá. Se puder aceitar que, em algum nível mais elevado da existência, você escolheu o tipo de vida que agora está vivenciando porque ele iria lhe proporcionar as maiores oportunidades de crescimento e contribuição, verá que todas essas realidades estabelecidas, com que iniciou, tinham razão de ser. O fato de ter nascido um homem judeu em Manhattan, e não uma mulher islâmica no Teerã, representa a primeira parcela importante de criação da realidade na vida de uma pessoa. Não importa como você acha que veio ao mundo. Foi algo intencional. Muitas realidades foram criadas por essa escolha do nascimento. Eu conheço, por exemplo, uma moça que nasceu em meio a uma pobreza abjeta num país do Terceiro Mundo. Era uma dessas crianças de olhos grandes que a gente costuma ver em documentários de televisão. Ela viveu nessas condições até os dez anos de idade, quando se abriu a próxima fase de sua jornada, aparentemente improvável: foi adotada por uma família nos Estados Unidos que lhe pôde oferecer as oportunidades de que necessitava. Quando ela chegou, não falava uma palavra de inglês. Dez anos depois, essa garota estava cursando a pós-graduação com uma bolsa de estudos, especializando-se em ciência política com o compromisso de melhorar as condições de vida em países do Terceiro Mundo. Essa moça encarnou com uma inteligência brilhante. O objetivo de sua alma era aproveitar esta vida para servir ao mundo. Na preparação para a vida que pretendia adotar, ela imprimiu sua consciência, nos primeiros anos de vida, com a pobreza devastadora e, depois que isso foi feito, chegou a época de treinar o intelecto. Se ela já tivesse nascido privilegiada, poderia não se ter preocupado o bastante para que seu talento se colocasse a serviço do mundo. Do modo como aconteceu, ela se entusiasmou com a reforma no nível da alma e recebeu a oportunidade de fazer isso por meio da sua formação. Ela também poderia ter tido a oportunidade de trabalhar por intermédio da revolta pessoal contra a injustiça no mundo, aprendendo a transformar as frustrações e as dores dos seus primeiros anos de vida. Mas isso faz parte da preparação para ser um instrumento de trabalho eficaz. Eu também conheci um bebê que foi recolhido numa lata de lixo por um homem que fundou e que dirige um orfanato para crianças de rua no Brasil. Esse órfão cresceu e se tornou um médico que agora atende o orfanato.

As 7 Etapas de Uma Transformação Consciente, p. 25

Foto: Svadilfari

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