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A morada no mistério

Flavia Criss

A vida não pode ser controlada. Ela é um mistério que nos convida a participar, a arriscar, a confiar no destino, a aceitar a pedra rúnica branca, o desconhecido. A entrega nos ensina não tanto a compreender, mas a “habitar o mistério”, como disse certa vez Ray Bradbury. Quando conseguimos aceitar o mistério maior da Vida, podemos criar conscientemente dentro dele.

O útero materno vazio contém todas as possibilidades. Uma vez, Lao-tzu disse: “É o nada que torna isso possível.” O útero é um lugar de possibilidades criativas máximas. Nesse momento de nada, estamos livres das polarizações que ditam tantas escolhas. “Eu sou mãe; portanto, tenho que fazer as doze coisas seguintes” ou “Eu sou médico, e é isso que se exige.” Esvaziados de nossos papéis, dançamos com o Espírito. Os diários dos místicos de todas as tradições falam da necessidade de nos esvaziarmos para sermos preenchidos. Eles repetem o que disse o Irmão Lawrence, um místico do século XVII: “Eu sei que, para a prática correta, o coração tem de estar vazio de todo o resto, porque Deus quer possuir o coração só para si, e, como não pode possuí-lo só para si a não ser que ele esteja vazio de todo o mais, Deus não consegue introduzir nele aquilo que gostaria, a não ser que este seja deixado vazio para Ele.”  Descobri, na minha caminhada, que todos os meus principais pontos de mudança envolviam um abandono de idéias preconcebidas a meu respeito e a respeito do mundo. No início do meu trabalho, tive de abandonar o medo de me apresentar em público e aprendi isso apresentando-me mais em público. Quando temi pela minha segurança financeira, fui forçada a assumir cada vez mais riscos, até que afinal passei a viver com o estritamente necessário e confiei no universo. Tive de enfrentar regularmente o meu conhecimento limitado quanto ao modo como o universo funcionava até mesmo para poder ensinar. Quanto mais me dedicava, mais as ilusões vinham à superfície para serem enfrentadas e abandonadas. Eu adoraria dizer que abandonei todas essas fixações, especialmente as que estavam repletas de medo, com incrível facilidade, ou num momento de êxtase. Mas não foi assim. Descobri que a vontade do ego luta a cada passo do caminho para preservar o status quo. Uma de minhas rendições mais significativas aconteceu quando fui hospitalizada com dores terríveis e uma série de sintomas não diagnosticados que intrigavam os médicos. Todos os exames — de sangue, dos ossos, raios X e punções na coluna — davam resultados normais, mas a dor e os sintomas persistiam. Meu médico particular tinha decidido não me fazer passar pelo exame de IRM (Imagem de Ressonância Magnética) porque eu tinha um antecedente de claustrofobia. A máquina de IRM é muito parecida com um caixão — é um tubo de quase dois metros de comprimento com uma largura suficiente apenas para uma pessoa. Porém, como os sintomas continuaram, ele decidiu consultar um especialista, que insistia em que o IRM fosse feito. Na manhã da sexta-feira em que eu deveria fazer o exame eu estava nervosa, mas tinha preparado a minha mente tanto quanto possível. Além disso, o médico tinha receitado um calmante forte para me ajudar a superar a minha ansiedade (aliás, esse calmante não fez nenhum efeito). Embora eu tivesse um grande apoio dos médicos, do radiologista, das enfermeiras e dos meus amigos, assim que me vi fisicamente diante da máquina, meu coração disparou, meu corpo começou a tremer e eu simplesmente não consegui entrar nela. Eu queria fazê-lo, mas o meu corpo simplesmente não queria. Em toda a minha vida, eu nunca tinha alcançado os limites da minha própria vontade. Eu não conseguia me determinar a fazer aquilo; não conseguia me determinar a me libertar de um medo que não tinha lógica, mas que era totalmente penetrante. Quando voltei para o meu quarto depois desse fracasso, o clínico geral veio falar comigo. Ele foi muito solidário, garantindo-me que a claustrofobia não podia ser controlada. Contudo, ele ainda precisava da informação que só poderia ser obtida a partir daquele exame, e eu deveria novamente tentar fazê-lo na segunda-feita seguinte. Eu realmente cheguei ao fundo do poço nessa noite. Eu sabia que não havia nada em mim que me obrigasse a fazer aquilo. Então, quando todos foram embora, eu me dirigi a Deus e me entreguei. Se Deus queria que eu fizesse o exame, Deus teria de fazê-lo. A minha vontade não era capaz. Quando finalmente consegui me relaxar numa meditação profunda, foi-me dito em Espírito que eu estava correta na minha conclusão anterior de que o meu parto havia codificado o medo de lugares confinados nas minhas células. O medo que eu tinha estava num nível anterior à minha mente; era uma lembrança celular. Foi-me dito que ele se originara numa existência na qual eu tinha sido enterrada viva, e que ele tinha sido reativado nesta vida pelo parto normal. Fui orientada para passar o fim de semana abençoando a máquina de IRM e reunindo energia a partir de todos os meus corpos sutis para formar um feto que deveria levar em meu coração, de modo que, ao entrar na máquina, eu estaria de fato entrando no “coração do lótus”. Lá eu encontraria o Cristo. E foi isso que aconteceu. Na sexta-feira, eu absolutamente não havia conseguido entrar naquela máquina. Na segunda, passei uma bem-aventurada hora e meia lá dentro, descansando em Cristo. A equipe médica estava atônita. Ninguém se cura de claustrofobia num fim de semana. Mas “eu” não tinha feito aquilo. Apenas tinha submetido minha vontade a uma vontade superior. Aquilo se tornou para mim uma câmara de iniciação, e a experiência mudou a minha vida interior. É claro que os resultados do exame foram perfeitamente normais. A experiência não foi feita no sentido de encontrar um desequilíbrio qualquer. Foi a maneira como o universo usou o material que estava à mão para me conduzir a uma entrega mais profunda. Agora, quando olho para trás e vejo os muitos acontecimentos que precederam esse momento, sei que eu estava me preparando cuidadosamente para a entrega. Se eu não tivesse ficado tão exausta com aquelas semanas de dor e medo do desconhecido, talvez não tivesse sido capaz de submeter a minha vontade. Se eu tivesse me sentido forte na minha própria vontade, provavelmente teria me recusado a fazer o exame e teria adiado um importante ponto de entrega. Quando voltei do hospital para casa, recebi um cartão com um lótus pintado por um amigo meu da Suíça. No cartão, ele escreveu: “Quando meditei a seu respeito, vi que, quando você terminar esse vigoroso processo de transformação, haverá flores crescendo do coração do lótus.” Ele tinha enviado o cartão uma semana antes do exame. Era como se Deus estivesse sublinhando sincronisticamente esse ponto com tinta vermelha, de medo que o meu cérebro humano tentasse negar o que havia acontecido. Ao nos entregarmos, descobrimos o poder do eu não sei e até mesmo do não consigo. É então que nos tornamos maleáveis aos ensinamentos. Desconfio que nos apegamos a idéias rígidas e definitivas sobre a natureza da realidade porque abrir mão delas é rasgar as coberturas protetoras e olhar com os olhos nus para dentro de uma expansão sem fim de possibilidades. A entrega nos liberta para a aceitação de que podemos não ter a menor idéia daquilo que o universo tem em mente. Lembro-me de ter feito uma sessão a longa distância com uma mulher que mora num Estado distante do meu, a respeito de um problema com a sua audição. Quando eu estava vivenciando o trabalho que estava sendo feito por meu intermédio, ouvi em minha mente: “Vinte e um dias.” Mais tarde, ela contou que sentiu muito calor e ficou ouvindo um zunido nos primeiros dias após a cura, mas que não conseguia ouvir com clareza. Porém, ao fim de vinte e um dias, recebeu um chamado de alguém que tinha ouvido falar no seu trabalho e queria marcar um encontro com ela. Esse alguém, aliás, era um cirurgião do ouvido. Para encurtar a história, o cirurgião fez o trabalho necessário para completar a cura no plano físico. A cura espiritual tinha eliminado as obstruções e preparado o terreno. Mas ainda há mais. Ela e o cirurgião se tornaram amigos e continuaram fazendo muitos projetos juntos. Como é que alguém poderia saber que isso tudo ia acontecer? Quando nos entregamos, apenas fazemos o trabalho que está diante de nós e abandonamos a tendência do ego para manipular os resultados de acordo com as suas expectativas.

As 7 Etapas de Uma Transformação Consciente, p. 254

Foto: Xmangel

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