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Perdoe e seja livre

Flavia Criss

São bem poucas as regras que sustentam todo o treinamento espiritual. O perdão é uma delas. Não se trata de um luxo, mas de uma necessidade. Nós sabemos muito bem disso. Então, por que é tão difícil abrir mão de todos esses preconceitos?

Perdoar a todas as pessoas? Quer dizer, afinal de contas, meu Deus, que eu vou perdoar essas dez, mas aquela lá — você sabe, eu estou com a razão. Você realmente quer que eu perdoe a mim mesmo inteiramente? Aceitar a graça simplesmente, sem achar que tenho de fazer algo para merecê-la? Apenas deixar correr o barco e aceitar as coisas como são? Sim, sim e sim! As pessoas que não foram perdoadas por nós estão vivendo conosco tão intimamente quanto a nossa respiração. Além disso, estamos compartilhando essa encarnação com elas e vamos carrega-las conosco para as encarnações futuras! Um mestre me disse certa vez em Espírito: “O fato de você não gostar de outra pessoa nada revela sobre ela. Isso apenas indica as fronteiras da sua compreensão.” Depois de anos de aconselhamento, compreendi como o perdão é imperioso e instruí o meu subconsciente para que toda e qualquer coisa que precisasse ser perdoada fosse revelada à minha mente exterior. Nessa época, eu já tinha passado pela terapia individual e tinha experiência em todos os tipos de processos de crescimento, tanto espirituais como psicológicos. Eu sabia que já tinha feito a minha lição de casa com os costumeiros “gurus”. Eu não conseguia acreditar naquilo que veio à tona nas semanas seguinte ao meu pedido para limpar a casa. Um dia, eu estava lavando a louça e, aparentemente sem razão alguma, lembrei-me da minha professora da terceira série. Eu imaginava que ela não gostava de mim, e de repente surgiu novamente esse antigo sentimento, tão forte como quando eu estava com oito anos de idade. Poucos dias depois, lembrei-me de um grupo de garotas da sexta série e de um incidente em que tive a certeza de que elas estavam fazendo fofocas a meu respeito. Essa sensação infeliz veio junto com a lembrança. Isso continuou por semanas — incidentes fortuitos, completamente esquecidos que pareciam não ter nenhuma importância. Havia, porém, os pedacinhos não liberados do passado. Fiz com que, um a um, passassem por um processo de perdão. Agora eu me mantenho em dia. Se tenho um momento difícil com o mecânico que cuida do meu carro, faço-o passar por um processo de perdão na mesma noite. A Lei da Atração está sempre em vigor, e uma experiência que não foi perdoada é um jeito certo de atrair a mesma coisa outra vez. Precisamos de uma grande quantidade de energia para nos mantermos agarrados a uma atitude que não foi perdoada. Abandonar as situações não é o bastante. Oh, você pode escapar evitando-as, lançando sobre elas cortinas de fumaça e racionalizando-as por muito tempo. Mas a pessoa que não foi perdoada volta muitas e muitas vezes, usando um nome ou uma personalidade diferente e exigindo que você lide com as questões não resolvidas. Embora David esteja com quarenta anos de idade, ele não perdoa a ausência do pai durante a sua infância. Ele continua a atrair autoridades masculinas que não lhe oferecem apoio e a discutir com elas em todos os empregos que arranjou até hoje. Sharon teve uma vida sexual saudável — até ser estuprada. Depois de freqüentar vários terapeutas e de ter muitas visões interiores, ela ainda se sente amargurada em relação à sua experiência de pesadelo e continua a abastecê-la com a sua raiva, encarando todos os homens como ameaças potenciais. A guerra do Vietnã está tão viva hoje para Mark como no dia em que embarcou de volta para casa, sem um braço. Quando o memorial foi construído em Washington, ele riu com desprezo e disse: “Eu jamais vou me esquecer e jamais vou perdoar.” Foi assim que ele decretou a sua própria prisão. As pessoas que são surpreendidas por circunstâncias destruidoras parecem ser vítimas, pura e simplesmente. E se estamos lendo apenas um capítulo do livro delas, não há o que discutir. Mas não conhecemos a história toda: não podemos julgar. Não sabemos qual é o tanto de loucura coletiva que elas assumiram por todos nós. Só podemos ter compaixão e apoiá-las nas curvas difíceis dos seus caminhos e fazer aquilo que estiver ao nosso alcance para mudar o ambiente para todos nós. Porém, apoiar não é o mesmo que salvar. Uma mentalidade de salvação está emitindo um juízo quando diz: “Eu sei mais que a sua alma a respeito daquilo que você precisa.” O apoio oferece ajuda compassiva. Ele encoraja os que passam por determinadas circunstâncias a encará-las, a controlar seus sentimentos e a ter paciência com o processo de cura até que o perdão seja possível. Tudo o que não foi perdoado fica retido no corpo, nas emoções, na mente e até mesmo na alma. Por não ser liberado, isso se cristaliza, formando obstruções nos próprios caminhos pelos quais a energia deve fluir. Havendo tempo suficiente para cristalizar-se vai acabar resultando em doença. Eu conheço um homem dedicado à cura que é muito respeitado. Ele começa seus tratamentos com a seguinte pergunta: “A quem ou o que você não perdoou?” Com o tempo, acabamos crescendo até chegar à compreensão do papel que a dor e a decepção representam na nossa vida. Mas a nossa capacidade de quebrar as correntes através do perdão não se limita apenas a esta existência. No domínio da consciência, tudo está presente. Se o medo que vem de outra vida está sendo ferrenhamente mantido na consciência, é o mesmo que se tivesse ocorrido hoje de manhã. No tempo real, ocorreu mesmo. Não é preciso que a pessoa se lembre dos incidentes ou de pessoas específicas que acionam esse medo. As especificidades simplesmente foram consteladas em torno de um ímã central. Eliminando o ímã — o medo — não há nada para sustentar as lembranças, e elas se dispersam como as sombras da noite diante do sol nascente.  Pode ser difícil ver um propósito com a mente racional, especialmente nos acontecimentos que compartilhamos como parte do drama humano maior, assim como a guerra e a fome. O Ego percebe as coisas dentro de uma perspectiva limitada e cria categorias: essa atitude pode ser perdoada; aquela, não. Os graus de culpa são colocados numa escala muito imprecisa — pecado número um, não tão ruim; pecado número dez, imperdoável. É claro que a escala se altera. O pecado de ontem pode muito bem ser tolerado hoje. Sam é um homem de seus trinta e cinco anos e veio pedir aconselhamento porque estava bloqueando conscientemente o próprio sucesso. Pai de vários filhos, era uma pessoa muito trabalhadora que verdadeiramente aspirava viver, de acordo com suas próprias palavras, “uma vida que valesse a pena”. Quando me sintonizei com ele, comecei a desconfiar que, ou ele tinha tido uma experiência homossexual ou realmente queria ter uma, e essa questão tinha de ser abordada em primeiro lugar. Quando mencionei isso, ele admitiu com muita relutância que tinha passado por esse tipo de experiência e começou a chorar. Ele sentia que havia pecado e que não merecia ser feliz. À medida que eu ia rezando para receber orientação a fim de ajudá-lo, comecei a ver, cena por cena, horrores de devastação — guerras, torturas, campos de concentração, doenças, fome. Porém, em todos os lugares que eu pude ver em Espírito, havia amor oferecido em grandes ondas de Luz dourada — amor movendo-se através da guerra, através das doenças, através de tudo aquilo. Então eu vi, cena por cena, a vida exprimindo a sua alegria — vida nova nascendo, amigos rindo, campos verdes no verão. Em todos os lugares em que vi a beleza, havia a mesma Luz dourada do amor. Então eu vi Sam, ali, de pé com seu amante, e havia a mesma Luz dourada do amor. A mensagem era clara: não há nenhum lugar em que não exista amor. O perdão não é distribuído como condecorações em recompensa pela obediência a uma interpretação humana do código moral de Deus. Em primeiro lugar, ele nunca foi retido. Peça ao Universo para perdoá-lo, e a resposta provavelmente será o silêncio — você receberá a mesma Luz dourada do amor que sempre o circundou. Mas, uma vez que seja capaz de perdoar a si mesmo, então vai reconhecer essa Luz e finalmente aceitá-la. Todos nós sentimos culpa e vergonha por opções que fizemos. Muito disso vem por termos interiorizado as vozes primitivas de outras pessoas. Quando estamos fora dos padrões (uma definição boa e simples para pecado), a voz calma e tranqüilizadora da nossa orientação nos conduz — não nos julga, apenas conduz. A vergonha pode ser adotada como um espelho para percebermos o que precisa ser purificado, e isso geralmente significa o que precisa ser perdoado. Um antigo poeta egípcio disse muito bem, num poema intitulado Nuk Pe Nuk [Eu sou o que sou]: “E o próprio Inferno é apenas uma barragem que eu coloquei no meu córrego durante um pesadelo.” O primeiro passo para o perdão é conhecer exatamente aquilo ou aquele que precisa do perdão. Isso pode parecer óbvio, mas às vezes é muito sutil. Por exemplo, você pode ter lidado com a sua mágoa, mas não com a sua raiva porque seu pai ou sua mãe o abandonou na infância. O subconsciente pode estar conservando intactos esses sentimentos de abandono, junto com a energia da raiva. O perdão pode ser concedido com a mesma facilidade, tanto para alguém que morreu como para alguém que está vivo. Ou talvez você teve um “bom” pai ou uma “boa” mãe, e a criança que há dentro de você ainda se ressente por causa dele ou dela por não tê-lo protegido do pai ou da mãe “ruim”. O próximo passo do perdão é examinar as implicações da mágoa original — explore a experiência com todo o valor que ela contém. Como foi que ela afetou a sua vida, as suas atitudes, os seus relacionamentos, a sua auto-imagem? Se você achar que esse nó é difícil de desatar, ame a si mesmo o bastante para procurar um conselheiro ou terapeuta profissional para ajudá-lo. O que quer que faça, não seja muito severo consigo mesmo se ainda está remoendo acontecimentos sem importância. A gentileza para consigo mesmo faz parte da concessão do perdão. Finalmente, deve ser tomada a decisão de partir para a liberação. A conscientização é um primeiro passo, mas não é o perdão. Conheci muitas pessoas capazes de enumerar claramente as muitas razões pelas quais odiavam isto ou aquilo, mas ainda estavam odiando. A raiva e a mágoa emergem durante a parte analítica do processo e certamente têm de ser dominadas. O próximo passo é dissipar completamente, com o perdão, toda a energia que há em torno da dor.

As 7 Etapas de Uma Transformação Consciente, p. 240

Foto: Cambiodefractal

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